Agenda de 10 segundos


  

O despertador toca e você cogita seriamente ignorá-lo. Mas levanta-se, toma
banho, escova os dentes, veste-se e serve-se de um rápido café da manhã.
Talvez apenas café.

"Se não agora, quando?"
(Rabbi Hillel)

No caminho para o trabalho, seja de carro ou de ônibus, o trânsito enseja
sensações que lembram "O Grito", de Edvard Munch. Parece que todos
resolveram lançar-se às ruas no mesmo instante!

Talvez você avance um semáforo vermelho, talvez invada a faixa de pedestres.
Talvez seja multado, talvez não. É possível que dê ou receba uma "fechada"
durante uma manobra para mudança de pista que, embora arriscada, pouco
reduzirá seu tempo de deslocamento. Talvez você seja alvo ou autor de
xingamentos. É provável que chegue ao destino com atraso.

No trabalho, você cumprimenta laconicamente seus colegas. Muitos papéis
aguardam atenção na caixa de entrada, que será esvaziada e preenchida
seguidas vezes no decorrer do dia. E que de novo terminará repleta de
compromissos. Vários telefonemas para dar, receber e retornar. Muitos
e-mails para ler, responder e ignorar.

Seu superior solicita urgência urgentíssima num projeto engavetado há meses.
Algum cliente apresenta-lhe uma reclamação qualquer. Você dispara contra
seus subordinados.

O almoço ocorre fora de horário, no mesmo restaurante e com o mesmo sabor já
industrializado em seu paladar. Talvez você fume um cigarro, talvez prefira
uma bala de hortelã. Talvez os dois.

E assim transcorre o dia, até o momento de retornar para casa, lembrando-se
de Munch, uma vez mais, durante o trajeto. Talvez você vá até uma academia
fazer ginástica, talvez vá ao conservatório praticar um instrumento, talvez
vá ao shopping olhar vitrines. Ou talvez se contente com o noticiário, a
novela e o reality show. Até que o despertador repita seu toque estridente
na próxima manhã...

A palavra é: rotina. Assim vivemos e morremos, dia após dia, percorrendo os
mesmos caminhos, mecanicamente. Assim tornamos nossas carreiras
desestimulantes, nossos relacionamentos insípidos. Desencanto, alienação e
desespero. O prazer e a alegria são raros. E voláteis. Somos completamente
infelizes em nossa infelicidade e brevemente felizes em nossa felicidade. E
estamos sempre aguardando o dia seguinte, quando tudo o que era para ter
sido e que não foi acontecerá.

Ouço músicas que gostaria de ter ritmado, leio textos que gostaria de ter
escrito, vejo produtos que gostaria de ter fabricado e conheço ideias que
gostaria de ter tido. Então percebo que tudo aquilo foi criado por pessoas
como eu, dotadas de angústias e limitações, decerto não as mesmas, pois com
origem, intensidade e amplitude diferentes. Pessoas que se superaram, talvez
não o tempo todo, talvez por apenas uma fração do tempo.

Aprecio muito falar sobre o futuro. Sobre a importância de termos uma visão
de futuro, a capacidade de sonhar, a habilidade de traçar metas e a
disciplina para concretizá-las. E não recuo em meus propósitos, porque são
princípios. Mas inventei para mim uma nova agenda. Ela não se compra em
papelaria, porque nela não se escreve. Não está disponível em versão
eletrônica, porque nela não se digita. Seu custo é nulo, pois não demanda
investimento, não exige que se tenha um palm, uma caneta, nem sequer
alfabetização. É uma agenda da mente. É uma "agenda de 10 segundos".

A cada amanhecer, tenho a certeza de que aquele é o momento a ser vivido. Em
que pesem todos os planos, com os pés firmes no chão e os olhos no
firmamento, a vida está acontecendo aqui e agora. Por isso, minha agenda não
pode contemplar mais do que os próximos dez segundos. Talvez breves, talvez
distantes, talvez intermináveis e, talvez, inatingíveis dez segundos.

Esta consciência tem me permitido agradecer a cada despertar em vez de
hesitar em levantar-me. Tem me sugerido dar passagem a alguém no trânsito ao
invés de brigar por insignificantes três metros. Tem me lembrado de dizer
"bom dia" aos que me cercam. Tem me incitado a procurar novos restaurantes e
novos sabores durante o almoço. Tem me proporcionado o poder de resignação e
de resiliência diante das inúmeras adversidades que se sucedem. Nem sempre
tem sido assim. Mas assim tem sido sempre que possível.

Fundamentalmente, a "agenda de 10 segundos" tem me ensinado a elogiar, a
perdoar, a me desculpar, a sorrir e a amar no momento em que as coisas se
dão. E isso possibilita amizades fortuitas que se tornam perenes, negócios
de ocasião que se tornam recorrentes e paixões de uma única noite que se
tornam amores de toda uma vida.


* Tom Coelho é educador, conferencista e escritor com artigos publicados por mais de 400 veículos da mídia em 15 países. É autor de “Sete Vidas – Lições para construir seu equilíbrio pessoal e profissional”, pela Editora Saraiva, e coautor de outros quatro livros. Contatos através do e-mail tomcoelho@tomcoelho.com.br. Visite: www.tomcoelho.com.br e www.setevidas.com.br.






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